Adary Oliveira – Presidente da ACB
Ao longo dos meus 75 anos de vida enfrentei situações inusitadas, para não dizer curiosas, de grande influência para a formação de meu caráter e que serviram de balizamento para minha vida.
Fui dirigido por meu pai para Salvador aos 11 anos, partindo de Ruy Barbosa. Prestei exame de Admissão ao Ginásio no Colégio Marista, logrando aprovação e transpondo, assim, minha primeira barreira na cidade grande. Eu ficava intrigado por ver escrito nos livros a expressão Coleção FTD, homenagem que à ordem dos irmãos Maristas, de origem francesa, fazia ao Frère Théophane Durand fundador da coleção dos livros didáticos. Perguntei ao irmão Alberto, um português encarregado dos internos menores, o significado da sigla, indagando se significava Feijão Todo Dia, no que ele prontamente me respondeu: “não, isso significa Fazer Tudo Direito”. Durante toda aminha vida procurei seguir a recomendação do irmão Alberto.
Aos 16 anos fui aprovado num concurso intelectual para ingressar na Força Aérea Brasileira (FAB). Eu desejava ser aviador. Lá o ensino era gratuito e eu abriria uma vaga para meu pai mandar mais um irmão estudar em Salvador. Éramos seis e a conta já estava superando a receita. Peguei carona num C-47 do Correio Aéreo Nacional (CAN) da FAB, e fui parar no Rio de Janeiro para fazer rigoroso exame médico. Quando submetido ao exame de vista percebi que as enfermeiras riam das minhas respostas, todas certas, da leitura que fazia das letras projetadas. Uma delas me perguntou: “você é de onde?”, quando respondi que era da Bahia. O meu alfabeto baiano era diferente do dos cariocas, com fê, gê, ji, lê, mê, nê o que encantou as meninas e as fez ficar minhas amigas. Sempre que me viam acenavam com um alegre “como vai baiano”. Após concluir o exame médico recebi o resultado de aprovação condicionando o meu ingresso na aeronáutica à realização de uma cirurgia para correção de desvio no septo nasal. Para mim era uma reprovação. Dias depois, ao encontrar-me por acaso com uma das enfermeiras fui perguntado: “baiano, por que você está tão triste?”. Relatei o motivo e fiquei sabendo que tinha jeito para solucionar o problema. Ela sugeriu que eu fosse ao segundo andar do edifício, sede do então Ministério da Aeronáutica, e solicitasse ao coronel chefe dos serviços médicos aprovação nos exames, ficando a cirurgia para depois de meu ingresso nas Forças Armadas. Fui bem sucedido na empreitada e pude estudar dois anos na EPC do Ar, em Barbacena e no Campo dos Afonsos. O meu abêcê baiano mudou o rumo de minha vida. Pequenas coisas podem lhe valer muito na vida.
Meus colegas de engenharia me apelidaram de um termo, que não posso escrever, por dar sorte em tudo. Devo reconhecer que muitas de minhas histórias, todas verídicas, são marcadas por muita sorte. Certo dia, eu estava estudando no apartamento onde morava no bairro da Graça, quando ouvi um dos meus colegas pedir emprestada uma máquina de escrever portátil a um de meus irmãos. Horas depois ele voltou dizendo que a máquina havia sido roubada. Ele parou no Campo Grande para fazer um lanche e deixou a máquina sob o assento de seu jipe sem capota. Quando voltou não encontrou mais a máquina. Ia tentar encontrar uma usada semelhante para comprar e fazer a reposição. Eu continuava estudando no quarto vizinho e ouvi seu relato. Passado o fim de semana fui para a Escola Politécnica na Federação e dirigi-me à lanchonete do Diretório Acadêmico pedindo ao Edivaldo um sanduiche de queijo com um suco de laranja. Ouvi do cantineiro a seguinte proposta: “doutor, o senhor não quer comprar uma máquina?” Era a própria e o interceptador, amigo do Edivaldo, foi em cana. Acredite se quiser, mas é pura verdade. A sorte existe e pode lhe ajudar.
Tenho outras histórias para contar, a vida é longa e o espaço é pequeno. Elas são inesquecíveis e marcaram minha trajetória de vida. Passo horas contando-as para meus netos quando deixam de lado seus smartphones. Eles morrem de rir.