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AINDA SOBRE O ATIVISMO JURÍDICO

  • 05 de agosto de 2016 - 10:51

Marques Neto – Advogado – Diretor ACB – Coordenador da Comissão Jurídica

Motivado por uma palestra de Homero Arandas, na Associação Comercial da Bahia, sobre “Relações Trabalhistas – Desafios e Oportunidades”, resolvi escrever este texto.

Quando foi promulgada a Lei de Arbitragem, a Lei 9.307/96, tive oportunidade de dar uma entrevista à “Gazeta Mercantil”, ressaltando a importância da arbitragem para a tranquilidade dos investidores, em eventuais disputas incidentes ou decorrentes de suas relações contratuais, sobremodo, quando as partes estabelecessem que as decisões deveriam pautar-se por tal ou qual legislação, escolhendo a lei aplicável. E, mais, tivessem claro que o tempo e o ritmo do Judiciário não são os mesmos do empresariado.

Um dos vetores importantes no processo de decisão empresarial é a estabilidade jurídica, aliada à previsibilidade, inclusive, a prazal Vale dizer, o empresário, no seu processo decisório, ancora-se na ordem jurídica e na ordem econômica, que são verso e reverso da mesma moeda. Nessa perspectiva, então, o Poder Judiciário joga um papel fundamental. E, aí, quando se enfoca o papel do Poder Judiciário, em sua atuação, arbitrando conflitos, não basta ter em conta a lei, mesmo o direito objetivo posto, em suas múltiplas manifestações.

É de se reparar que, diferentemente, do que se afirmava, há alguns anos, entende-se que não se há de falar mais em micro-sistemas, mas em um sistema jurídico único, sob a égide da Constituição Federal, e que todas as normas, abaixo dela, devem e podem “dialogar” entre si, visando à realização do ideal de justiça posto na Constituição Federal.

Assim, desde a Constituição Federal, como a lei maior, as leis complementares, convenções ou tratados internacionais, medidas provisórias, leis ordinárias, decretos, portarias, regulamentos, instruções e até mesmo pareceres normativos, hão de ser levados em conta. Acresçam-se, ainda, súmulas, vinculantes ou não, acórdãos proferidos em recursos repetitivos, jurisprudência ou precedentes, tudo isto, no nível do Supremo Tribunal Federal, e dos Tribunais. Ao lado desses aspectos, em face do TST, há-se ainda de considerar as Orientações Jurídicas (OJS), as convenções coletivas de trabalho e acordos coletivos de trabalho. E, mais, nos Juizados Especiais, ainda temos os enunciados.

A par de tudo isto, temos de considerar a conduta individual do juiz, com toda a carga de sua formação, seus valores, sua visão de mundo, a “UNGEBUNG” dos alemães, como bem nos ensinava o saudoso mestre do Colégio Estadual da Bahia, o Central, o Prof. NELSON OLIVEIRA.

Não se pode, então, nessa simples abordagem, deixar de remarcar dois pontos trazidos pelo novo Código de Processo Civil: um, pretendendo levar-nos à previsibilidade e à certeza jurídicas; mas, outro, remetendo-nos a uma vagueza, a uma “mélange” principiológica, de cláusulas gerais, mesclada com conceitos jurídicos indeterminados.

Note-se, então, o que dispõe o art. 927 do Novo CPC:

Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

E, agora repare-se o que determina  o seu art. 8º: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Note-se, neste passo, que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, anteriormente, conhecida como a Lei da Introdução ao Código Civil, o Dec-Lei 4.657 de 4/9/1942, já estabelecia, no seu artigo 5º:  “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Simples indagações, sobre o contorno e o conteúdo conceituais dos termos acima, impelem-nos a constatar a importância que o processo de formação do juiz, individualmente, considerado, terá, ao decidir, a demanda do cidadão; pois, inquestionavelmente, entrarão no jôgo, no balizamento, o que ele entenderá por atendimento aos fins sociais e às exigências do bem comum, bem como a noção que a sua orientação filosófica, sociológica, antropológica, religiosa lhe revela, como dignidade da pessoa humana.

Basta ver que, somente, nesse aspecto, há um excepcional contributo do “Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade da Pessoa Humana”, obra coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, que faz tremer a todos, na simples passagem do prefácio, quando assinala que visa a “Buscar entender e refletir a amplitude da dignidade da pessoa humana e mostrar a missão que se impõe cada vez mais a todo gênero humano: sentir as dores e sofrimentos de todos, como se fôssemos um”.

Será que todos pensam assim? Será que todos partilham do UBUNTU, de que nos fala o Bispo Desmond Tutu?

Pois, então, declarando que estão seguindo esses comandos, cada juiz está a criar o seu próprio ordenamento jurídico, tornando bem verdadeiro, aquilo que, muitas, vezes já ouvimos: “No meu Tribunal, a banda toca diferente”;

A jurisdiscização ganha cada vez mais corpo, esvaziando, significativamente, a atividade do Poder Legislativo, tornando cada vez mais verdadeiro o dito “A lei não diz nada. Quem diz é o interprete”.

Neste passo, não posso deixar de trazer dois textos, que ajudarão ao leitor a bem compreender este novo momento: 1)Entre os princípios introduzidos no Código Civil de 2002, que orientam comportamentos e a própria realização do direito sistematizado pelo legislador, cientista e filósofo, destaca-se o princípio da operabilidade ou da concretude, essencialmente um princípio de hermenêutica filosófica e jurídica que leva o intérprete não à função limitadora de aplicar o direito, mas à de construir a norma jurídica adequada ao caso concreto e específico. Dessa opção metodológica do legislador resulta uma nova e saudável margem de criação para o intérprete, chamado a participar não mais como agente passivo de um mero processo de lógica dedutiva, mas sim como participante ativo do processo de nomogênese jurídica, para resolver conflitos de interesses entre indivíduos concretos e em situações jurídicas concretas. Graças a esse princípio, o Código Civil acompanha, no aspecto metodológico, o processo de transformação que marca o direito da sociedade pós-industrial, no sentido de uma jurisdiscização, isto é, crescente importância do juiz ou do direito jurisprudencial, e de uma racionalização do processo, no sentido de que a razão jurídica dá lugar à razão prática e o direito se realiza no processo de sua construção, pois o pensamento jurídico contemporâneo se vem caracterizando como um pensamento prático-jurisprudencial. Ao juiz é hoje reconhecido um largo poder de apreciação, que ele exerce ao analisar o sentido e o alcance da regra jurídica, a partir de uma pré-compreensão, no sentido que lhe dá a corrente hermenêutica. A interpretação não é só descoberta do significado de um texto, implica, também, a criatividade do intérprete. E esse poder judicante encontra maior campo de realização nas chamadas cláusulas gerais”. (Francisco Amaral, in Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil, Coordenadores Arruda Alvim, Joaquim Pontes Cerqueira César e Roberto Rosas, Ed. Revista dos Tribunais, 2003);  2) “Assim, faz-se mister o juiz estar preparado, jurídica e culturalmente, a fim de poder, realmente, interpretar a regra jurídica e aplicá-la em conformidade com os anseios da sociedade moderna. Para tanto, deve o magistrado procurar soluções nos quadros cultural, político, econômico, social e jurídico, desvestindo-se da couraça conservadorista da lei, sempre procurando alcançar soluções as mais próximas possíveis do que se chama justiça”. (in A Importância da Interpretação Jurídica  – Principais Diferenças entre Hermenêutica e Interpretação Jurídica para a aplicação do Direito ao caso concreto, Lúcio Delfino, Revista Consulex, nº45, Setembro de 2000)

Será que estamos a viver um novo bonapartismo, agora com o viés do Judiciário, no alijamento do Legislativo?

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