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Aumento da carga tributária federal: uma análise jurídica das possibilidades

  • 05 de agosto de 2016 - 16:57

Jorge Haddad – Advogado – Membro da Comissão Jurídica da ACB e OAB

Já de algum tempo, a todo instante veicula-se na internet, nos jornais de grande circulação, telejornais e noticiários em geral declarações do Presidente interino Michel Temer e do seu Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que “o aumento da carga tributária não está descartado”.

O Brasil se organiza sob a forma de Estado Federal, ou seja, segundo o art. 1º, da Constituição Federal, a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal e, desse jeito, a União, os Estados-membros e o Distrito Federal e os Municípios se autogovernam independentemente e sem qualquer relação de subordinação, têm suas competências administrativas, legislativas e tributárias outorgadas pela Constituição Federal e gozam de autonomia política, administrativa e financeira. Equivale a dizer que cada um desses entes federativos, União, Estados-membros e Distrito Federal e Municípios, têm arrecadações e orçamentos próprios e, portanto, suas próprias cargas tributárias. Decorre daí, portanto, que o Presidente interino Michel Temer e seu Ministro da Fazenda Henrique Meirelles são membros do Poder Executivo da União e, obviamente, quando se referem ao “aumento da carga tributária”, fazem menção à carga tributária da União, aos tributos instituídos e arrecadados pela esfera federal.

O sistema tributário brasileiro é composto pelas seguintes espécies de tributos: i) impostos, ii) taxas, iii) contribuições de melhoria, iv) empréstimos compulsórios, v) contribuições especiais e, segundo alguns respeitáveis autores, os vi) pedágios também integram esta classificação, na medida em que sua previsão está contida art. 150, V, que integra o Capítulo do Sistema Tributário Nacional.

A Constituição estabelece que Compete à União instituir impostos sobre importação de produtos estrangeiros (II); exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE); renda e proventos de qualquer natureza (IR); produtos industrializados (IPI); operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF); propriedade territorial rural (ITR); e grandes fortunas (IGF)[1]. Ou seja, tratando-se apenas da espécie tributária dos impostos, cabe à União instituir sete diferentes tipos. Dentre estes o ITR tem arrecadação pouco significativa e o IGF, apesar da previsão legal, a competência da União para instituir ainda não foi exercida.

Tributação é relação jurídica, ou seja, regida por normas jurídicas, de observância obrigatória, e a Constituição Federal, como estatuto maior da República Federativa do Brasil, que ocupa o ápice do ordenamento jurídico pátrio e limita o exercício do poder pelo Estado, veicula, nos seus artigos 150 a 152, na Seção II, do Capítulo do Sistema Tributário Nacional, as Limitações ao Poder de Tributar.

Dentre as limitações expressamente contidas na Constituição, duas delas se sobressaem: o princípio da legalidade e o princípio da anterioridade.

Segundo o princípio da legalidade é absolutamente vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” [2].

E, segundo o princípio da anterioridade, que se subdivide em dois: anterioridade do exercício e anterioridade nonagesimal, também é vedada às pessoas jurídicas de direito público das três esferas federativas a cobrança de tributo “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” [3]; e “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b” [4].

Há ainda, como se sabe, duas espécies de tributos de acordo com a predominância das suas finalidades: os tributos com predominante finalidade fiscal, qual seja, abastecer os cofres públicos dos recursos necessários às despesas públicas; e os tributos com predominante finalidade parafiscal, qual seja, se prestam a abastecer os cofres públicos, contudo, têm ainda mais utilidade como ferramentas de intervenção do Estado na economia, regulando, estimulando ou desestimulando atividades. São exemplos de tributos dotados de parafiscalidade o IOF, quando aplicado sobre o câmbio para desestimular as importações visando equilibrar a balança comercial; o IPI que, embora dotado de forte fiscalidade, também cumpre finalidade parafiscal quando aplicado a bebidas e cigarros para desestimular o consumo; o Imposto sobre a Exportação, quando aplicado sobre a exportação de armas para a América do Sul, a fim de dificultar o retorno dessas armas de forma clandestina ao território brasileiro; ou quando aplicado sobre a exportação de produtos com baixo valor agregado pela ausência de beneficiamento. Dessa forma, mantida a atual redação da Constituição, as limitações ao poder de tributar variam em função da agilidade de que o Poder Executivo necessita para responder com presteza às demandas por intervenções na economia, sendo, portanto, tais limitações relativizadas em face de alguns tributos.

Segundo o § 1º, do mesmo art. 150, da Constituição Federal, a anterioridade do exercício não se aplica ao imposto sobre importação, imposto sobre exportação, IPI e IOF, o que significa dizer que estes impostos podem ter sua carga aumentada e seus valores majorados serem exigidos pelo Fisco da União no mesmo exercício em que forem aumentados.

Ainda segundo o mesmo § 1º, do art. 150, a anterioridade nonagesimal não se aplica imposto sobre importação, imposto sobre exportação, imposto sobre renda (que observa somente a anterioridade do exercício) e IOF, o que significa dizer que estes impostos podem ter sua carga aumentada e seus valores majorados serem exigidos pelo Fisco da União em prazo inferior aos noventa dias da data em que forem majorados.

A segunda espécie tributária mais comum, a das contribuições especiais, que ultimamente tem tido na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sua estrela de maior brilho, mais precisamente na CIDE Combustíveis, prevista no art. 149, da Constituição, também se subordina ao princípio da anterioridade do exercício e ao princípio da anterioridade nonagesimal.

E paira ainda a eterna ameaça da ressurreição da Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras (CPMF), o chamado “imposto sobre o cheque” (SIC), ou mais corretamente o “tributo sobre a movimentação financeira”. A CPMF é importante não apenas por sua fiscalidade (capacidade de arrecadar), mas também como importante instrumento para a fiscalização das movimentações de recursos pelos contribuintes e, caso ocorra sua ressurreição, ainda não se sabe se ocorrerá na qualidade de provisória, ou se tornará definitiva. Mas uma coisa é certa, a instituição da CPMF depende de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e a aprovação de uma PEC pelo Congresso Nacional, segundo o art. 60, da Constituição Federal, depende da votação em dois turnos, com quórum de três quintos em cada Casa. Ou seja, para ser aprovada na Câmara dos Deputados, a PEC deverá ter no mínimo 308 votos e, no Senado, no mínimo 49 votos e este quórum mínimo deve ser obtido em dois turnos de votação em cada Casa.

Concluindo, mantido o texto da Constituição, entre os impostos da União, acima mencionados, o Imposto sobre a Importação (II), o Imposto sobre a Exportação (IE) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) podem ter suas alíquotas modificadas por ato do Poder Executivo. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) tem limites máximos e mínimos fixados por lei própria, que devem ser respeitados pelo Poder Executivo ao alterar suas alíquotas. E o Imposto sobre a Renda (IR) só pode ter suas alíquotas e faixas de incidência alteradas por lei, mas esta lei não precisa respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal, deve observar apenas o princípio da anterioridade do exercício. A CIDE Combustíveis também se subordina ao princípio da anterioridade do exercício e ao princípio da anterioridade nonagesimal. O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é tributo de competência da União cuja instituição deverá ser efetivada por lei complementar, contudo, em relação a este imposto, a União ainda não exerceu sua competência tributária, o que se afigura provável que aconteça, a depender da força dos grupos de pressão no Congresso Nacional.

Alterações ao texto constitucional também devem ocorrer através de Propostas de Emenda à Constituição (PEC), visando à possível ressurreição da Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras (CPMF), à legalização dos jogos de azar e sua consequente tributação.

[1] Art. 153, da Constituição.

[2] Art. 150, inciso I, da Constituição.

[3] Art. 150, inciso III, alínea b.

[4] Art. 150, inciso III, alínea c.

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