O pior é que quase a totalidade desses protestos segue o mesmo modus operandi e parece ter igual propósito: impedir o direito de ir e vir e, dessa forma, atrair a máxima atenção possível para a causa em questão, mesmo quando ela só interessa a um número limitado de pessoas diante da imensa quantidade de cidadãos afetados.
Se formos retroceder ainda mais no tempo, vamos lembrar que, em fevereiro, os rodoviários deixaram de circular em protesto contra a reforma da Previdência, levando muitos passageiros a seguirem a pé pelas ruas e avenidas. Ou da carreata de taxistas insatisfeitos com a regularização dos aplicativos de transporte, como o Uber, que paralisou as avenidas ACM e Paralela. Ou das incontáveis manifestações de moradores revoltados com a violência em suas comunidades, muitas vezes resultado de ação da polícia, fechando o trânsito com galhos, pneus, ateando fogo e usando qualquer tipo de artifício para impedir a livre circulação dos veículos.
Além dos transtornos causados no cotidiano do soteropolitano, ainda há outro aspecto a ser levado em conta acerca das consequências que esse tipo de manifestação traz para Salvador: os prejuízos financeiros. A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo da Bahia (Fecomércio) calcula que, no dia da manifestação contra a prisão de Lula, só na região do Iguatemi, as vendas de lojas e estabelecimentos caíram entre 20% a 25% no período das 15h às 22h.
Motivadas por esses dados, a Fecomércio e mais quatro entidades – Associação Comercial da Bahia (ACB), Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas da Bahia (FCDL), Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador (CDL) e Federação da Agricultura do Estado (Faeb) – divulgaram, na sexta-feira, um manifesto do setor produtivo baiano. Com o mote ‘Salvador não pode parar’, o manifesto chama a atenção para os prejuízos que as manifestações têm gerado para a cidade.
Difícil encontrar quem seja contra o direito de qualquer categoria profissional, militantes políticos ou mesmo moradores de uma comunidade se manifestar. E os próprios dirigentes das entidades citadas acima já se posicionaram em defesa desse direito. O presidente da Associação Comercial da Bahia, Adary Oliveira, por exemplo, definiu, com simplicidade: “Sou a favor de toda liberdade, mas não pode querer impedir as pessoas de levar sua vida normal”.
Muitos filósofos, juristas e outros profissionais que se dedicam a pensar as relações humanas defendem a liberdade dos cidadãos. Só que, não raro, reconhecem eles, o direito de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos ameaça o de toda a sociedade. Nesse momento se instala o dilema: liberdade individual ou bem comum? A verdade é que o fato de vivermos numa sociedade democrática, em que cada um tem o direito ao livre-arbítrio de seguir a ideologia que melhor lhe convier, não nos exime de obedecer a antiga, mas atemporal, regra: “O seu direito termina onde o de outro começa”.
A população merece ser ouvida sempre. Contudo, quem abusa desse direito e não respeita o direito dos outros deve ser contido conforme os ditames legais. Para o filósofo alemão Immanuel Kant, uma legislação justa deve harmonizar a liberdade individual e coletiva. No seu entender, que cada um busque sua felicidade sem, no entanto, infringir a dos outros. E que os interesses ou desejos particulares de um determinado indivíduo ou grupo de pessoas não se sobreponham ao de toda a coletividade. Já passou da hora de termos uma discussão séria e sensata sobre que tipo de sociedade queremos viver.
Jornal Correio da Bahia